Direito Penal Militar

Rigor Excessivo

RIGOR EXCESSIVO

É transgressão disciplinar ou crime militar?

O crime de rigor excessivo está previsto no Capítulo VI – “Da Usurpação e do Excesso ou Abuso de Autoridade”, do Titulo II – “Dos Crimes Contra a Autoridade ou Disciplina Militar”, do Livro I – “Dos Crimes Militares em Tempo de Paz”.

O artigo 174 estabelece: “Exceder a faculdade de punir o subordinado, fazendo-o com rigor não permitido, ou ofendendo-o por palavra, ato ou escrito. Pena – suspensão do exercício do posto, por dois a seis meses, se o fato não constitui crime mais grave.”

A objetividade jurídica é a autoridade militar daquele que exerce mal o seu poder. Visa-se proteger a disciplina militar que fica abalada com a quebra da sadia relação que deve prevalecer entre as partes.

O sujeito ativo do crime é o Oficial, o superior. Somente aos Oficiais é conferido o poder de punir disciplinarmente. Geralmente ocupantes de funções, no mínimo, de Capitão.  Podemos encontrar o conceito de superior no artigo 24 do Código Penal Militar: “O militar que, em virtude da função, exerce autoridade sobre outro de igual posto ou graduação, considera-se superior, para efeito da aplicação da lei penal militar.”

O sujeito passivo imediato é a Instituição Militar e o mediato é o militar punido com rigor ou ofendido por palavras, ato ou escrito.

Este crime pode ser classificado como:

  • Propriamente militar (com supedâneo na classificação do artigo 9º, inciso I do CPM), só podendo ser praticado por militares (neste caso os Oficiais). Se o civil praticar tal conduta de forma isolada será atípica;
  • Crime de mão própria – não se admite a co-autoria. Com relação à participação esta é admitida, podendo inclusive ser um Praça (especial ou não) ou mesmo um civil (lembrando que se for civil não responderá perante a Justiça Militar dos Estados, somente perante a Justiça Militar da União);
  • Doloso – a conduta do militar de se exceder na punição do subordinado deve ser dolosa, intencional, bem como sua vontade de violar o serviço e o dever funcional. Não existe previsão de modalidade culposa;
  • Crime subsidiário – será absorvido se ocorrer um crime mais grave. O próprio preceito secundário prevê expressamente esta possibilidade;
  • A ação penal é pública incondicionada.

O crime estará consumado quando o autor publica a punição indevida ou quando ofende seu subordinado, sendo que a tentativa somente é possível quando a infração tiver sido praticada por escrito.

O tipo penal que tem o nomen iuris de RIGOR EXCESSIVO. A questão relevante a ser abordada é justamente o que pode ser considerado como “excessivo”, visto que o rigor é da essência das Instituições Militares, que tem como pilares básicos a hierarquia e disciplina.

A doutrina costuma apontar que o excesso pode ser verificado de três formas:

  • imposição ao subordinado de uma sanção que não prevista no respectivo Regulamento Disciplinar (ex.: numero de dias de recolhimento acima do limite legal; fazer alguma tarefa pessoal para o Oficial, dentre outras);
  • imposição de condições subumanas no período de execução da sanção disciplinar (ex.: não permitir que o subordinado se alimente, beba água, tenha acesso a banheiro, dentre outras);
  • ofender o subordinado por palavras, atos ou escritos, seja nos documentos formais de punição (ex.: planilha de enquadramento disciplinar, nota de corretivo ou nota de punição) ou quando o Oficial divulga a punição a tropa, ofendendo o subordinado, inflamando de qualquer forma seu discurso.

O que é interessante observar é a penalidade prevista no preceito secundário do tipo penal, qual seja a suspensão do exercício do posto. Esta penalidade é principal, conforme podemos verificar pela leitura do artigo 55 que elenca quais são as penas principais. A de suspensão do exercício do posto está prevista na alínea “f”, sendo uma pena restritiva de direitos.

É sempre oportuno lembrar que posto é o grau hierárquico do Oficial, conferido por ato do Presidente da República ou pelos Governadores de Estado, conforme o caso, e confirmado em Carta Patente.

  O artigo 64 do Código Penal Militar descreve a suspensão da seguinte forma: “A pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função consiste na agregação, no afastamento, no licenciamento ou na disponibilidade do condenado, pelo tempo fixado na sentença, sem prejuízo de seu comparecimento regular à sede do serviço. Não será computado como tempo de serviço, para qualquer efeito, o do cumprimento de pena”.   

Isso significa que o Oficial, que é militar da ativa que for condenado ficará em situação de agregado, recebendo proveitos, sem laborar, durante o cumprimento da pena. O sentenciado limita-se tão somente a comparecer para fins de controle, regulamente a sua Organização Militar.

Há quem critique este preceito secundário, tendo em vista que o Oficial sequer cumprirá qualquer pena privativa de liberdade e ainda receberá sem trabalhar. A única hipótese de se cumprir uma pena privativa de liberdade pela prática deste crime está prevista no parágrafo único do artigo 64 do CPM: “Se o condenado, quando proferida a sentença, já estiver na reserva, ou reformado ou aposentado, a pena prevista neste artigo será convertida em pena de detenção, de três meses a um ano.”

Apesar das críticas, o tipo penal foi recepcionado pela Constituição Federal.

O Estatuto dos Militares (Lei n.º 6.880, de 9 de Dezembro de 1980) em seu artigo 31, inciso VI prevê “a obrigação de tratar o subordinado dignamente e com urbanidade”.       

Por seu turno o Regulamento Disciplinar da Policia Militar do Estado de São Paulo – RDPM prevê como transgressão disciplinar em seu artigo 13, itens 38 e 40, tal conduta, respectivamente: “ofender, provocar ou desafiar superior ou subordinado hierarquico”  e “procurar desacreditar seu superior ou subordinado hierárquico ”

Nos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas a matéria vem prevista da seguinte forma:

 

  • REGULAMENTO DISCIPLINAR DO EXERCITO – R4 (Decreto 4346/2002): item 100 do anexo I – “Ofender, provocar, desafiar, desconsiderar ou procurar desacreditar outro militar, por atos, gestos ou palavras, mesmo entre civis”;
  • REGULAMENTO DISCIPLINAR DA MARINHA – Decreto 88.545/83: artigo 7º, itens 21: “tratar subalterno com injustiça”, 22: “dirigir-se ou referir-se a subalterno em termos incompatíveis com a disciplina militar”, 23: “tratar com excessivo rigor preso sob sua guarda”
  • REGULAMENTO DISCIPLINAR DA AERONAUTICA – Decreto 76.322/75: artigo 10, item 42: “tratar o subordinado hierárquico com injustiça, prepotência ou maus tratos”.

Dra. Fernanda
Gonçalvesfernanda.dra@adv.oab.sp.org.br
Instagram: fernanda_dra

Deixe um comentário