Direito Penal Militar

EMBRIAGUEZ EM SERVIÇO

É transgressão disciplinar ou crime militar?

Primeiramente cumpre esclarecer que a embriaguez que está sendo abordada neste artigo é a dolosa, sendo, destarte, afastada a culposa e a decorrente de caso fortuito ou força maior.
A conduta do militar em embriagar-se em serviço configura crime militar, bem como transgressão disciplinar prevista em diversos regulamentos disciplinares tanto das Forças Armadas quanto das auxiliares.
Determina o artigo 202 do Código Penal Militar:

“Embriagar-se o militar, quando em serviço, ou apresentar-se embriagado para prestá-lo. Pena – detenção, de seis meses a dois anos.”

Este crime está previsto no Capítulo III – “Do Abandono De Posto e de Outros Crimes em Serviço”, do Título III – “Dos Crimes Contra o Serviço Militar e o Dever Militar”, do Livro I – “Dos Crimes Militares em Tempo de Paz.”
A objetividade jurídica, ou seja, o interesse que é tutelado pela norma penal militar é o serviço militar / dever militar.

Este crime pode ser classificado como:
• Propriamente militar (com supedâneo na classificação do artigo 9º, inciso I do CPM), só podendo ser praticado por militares. Se o civil praticar tal conduta ela será atípica;
• Crime de mão própria – não admite co-autoria, mas admite participação (exemplo da pessoa que forneceu bebida ao militar);
• Doloso – a conduta do militar de embriagar-se ou apresentar-se embriagado em serviço tem que ser intencional, bem como sua vontade de violar o serviço e o dever funcional. Não admite a modalidade culposa.

A consumação ocorre quando o militar alcança o estado de embriaguez, constatado através de exames clínicos ou laboratoriais.
Se o militar for surpreendido com substância entorpecente no interior do quartel, consumindo ou prestes a consumi-la, o crime será o do artigo 290 do Código Penal Militar – “tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar”.
Existe uma diferença entre o militar estar alcoolizado ou embriagado. Se estiver alcoolizado sua conduta será penalmente atípica, mas de relevância para a esfera administrativa visto que é considerado transgressão disciplinar prevista no Regulamento Disciplinar da Policia Militar do Estado de São Paulo – RDPM (LC n.º 893/2001) (Os Regulamentos Disciplinares variam de acordo com o Estado da federação. É necessário atenção a cada estado.) e nos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas.
No entanto, se o militar estiver embriagado terá praticado a conduta típica prevista no artigo 202 do Código Penal Militar e responderá penal e administrativamente (porque nesta última esfera de responsabilidade não importa a quantidade de álcool no sangue para que o militar seja responsabilizado) de forma cumulada.

Como saber se o militar esta alcoolizado ou embriagado?

Como iremos saber quando o militar estará alcoolizado e ou embriagado, tendo em vista que a depender do caso o militar irá responder penalmente perante a Justiça Castrense?
A única legislação que aborda este tema é o Código de Trânsito Brasileiro que estabelece que será considerado embriagado o condutor que exceder a quantidade de seis decigramas de álcool por litro de sangue e nos casos de aferição através do teste do “bafômetro” (Etilômetro – teste realizado em aparelho de ar alveolar) a concentração não pode ultrapassar a 0,3 mg por litro de ar expelido nos pulmões, segundo o que determina a Resolução n.º 206/06 do Conselho Nacional de Trânsito.
A prova do estado de embriaguez deve ser feita mediante exame clínico e laboratorial (através de coleta de sangue), que irá auferir a dosagem alcoólica. Importante mencionar ainda que ninguém será obrigado a produzir prova contra si mesmo, conforme prevê o principio processual conhecido como nemo tenetur se detergere, previsto expressamente no artigo 296, §2º do Código de Processo Penal Militar que determina:

“O ônus da prova compete a quem alegar o fato, mas o juiz poderá, no curso da instrução criminal ou antes de proferir sentença, determinar, de oficio, diligências para dirimir duvidas sobre ponto relevante. Realizada a diligência, sobre ela serão ouvidas as partes, para dizerem nos autos, dentro em quarenta e oito horas, contadas da intimação, por despacho do juiz. (…) §2º. Ninguém está obrigado a produzir prova que o incrimine, ou ao seu cônjuge, descendente, ascendente ou irmão.”

Sendo assim, se o exame laboratorial (se o militar permitir que seja realizado) ou o clinico (no caso de sua recusa) constatar que o militar estava alcoolizado e não embriagado, ele irá responder somente na esfera administrativa, mas se estiver embriagado responderá na esfera penal e administrativa.
Em termos práticos os estados podem ser diferenciados como:
Alcoolizado – o agente não perde suas faculdades motoras e psíquicas.
Embriagado – o agente não perde suas faculdades motoras e psíquicas comprometidas.
Por seu turno o Regulamento Disciplinar da Policia Militar do Estado de São Paulo – RDPM prevê como transgressão disciplinar em seu artigo 13, itens 89 e 90, tal conduta, respectivamente: “embriagar-se quando em serviço ou apresentar-se embriagado para prestá-lo (É uma transgressão disciplinar de natureza grave, que autoriza inclusive a demissão ou expulsão do militar) (G) e “ingerir bebida alcoólica quando em serviço ou apresentar-se alcoolizado para prestá-lo. (M) (Transgressão disciplinar de natureza média.)
Podemos observar pela transcrição acima que o próprio RDPM diferencia quando o militar estiver embriagado e quando estiver alcoolizado.
Estando embriagado poderá inclusive sofrer as penalidades de demissão ou expulsão, enquanto se estiver alcoolizado a transgressão disciplinar será de natureza media.
Com relação aos outros Regulamentos Disciplinares encontramos as seguintes transgressões disciplinares:

REGULAMENTO DISCIPLINAR DO EXERCITO – R4 (Decreto 4346/2002): item 110 do anexo I – “Comparecer a qualquer ato de serviço em estado visível de embriaguez ou nele se embriagar.”;
REGULAMENTO DISCIPLINAR DA MARINHA – Decreto 88.545/83: artigo 7º, item 68: “introduzir clandestinamente bebidas alcóolicas em Organização Militar” ;
REGULAMENTO DISCIPLINAR DA AERONAUTICA – Decreto 76.322/75: artigo 10, item 58: “embriagar-se com bebida alcoólica ou similar.” Item 90: “introduzir bebidas alcoólicas, entorpecentes ou simulares em Organização Militar, sem que para isso esteja autorizado.”

Dra. Fernanda Gonçalves – OAB/SP 231.759
fernanda.dra@adv.oabsp.org.br
Instagram: fernanda_dra

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