Direito Penal

Estelionato religioso e violência sexual mediante fraude: vítimas com muita fé ou muita inocência?

Essa é a pergunta que sempre faço quando ouço algo do tipo que passarei a descrever no texto que se segue:”Inocência ou fé em demasia”? Hahh, não, “péra”, quiçá adolescentes vítimas de pais relapsos, bitolados, e com confiança demais em quem não devia! A verdade é que não sei, você saberia dizer o porquê de algo tão bizarro ser praticado por “homens de fé”?

Quando nos referimos ao estelionato tal como descrito no Código Penal, em seu artigo 171, o que nos vêm à cabeça é a seguinte transcrição:

Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Não é raro, tampouco impossível acontecer de ambos os envolvidos (réu e vítima) passarem, durante o crime, a envolver-se mutuamente – a vantagem oferecida pelo primeiro parece tão irrecusável e certeira que a vítima acredita, fielmente, que obterá a vantagem que lhe é oferecida. Entretanto, quando a vítima é idoso, criança, pessoas com necessidades especiais (mentais), indígena não integrado ou estrangeiro (imigrante que não entende a língua do lugar onde vive) a vítima passa a ser TOTALMENTE exculpável.

Resumindo: a pessoa só cai porque a vantagem oferecida é boa (ela também queria vantagem, não ofereceu mas aceitou e acabou sendo enganada).

O estelionato, em meu entendimento, é algo que deve exculpar a vítima somente nas condições acima citadas ou quando ela se encaixa na parte do artigo que diz: “...ou qualquer outro meio fraudulento”! Como podem ver, essa última parte do artigo 171 é subjetiva e, sendo assim, poderia ser uma assinatura em um documento (ex: a vítima seria cega ou não saberia ler; algum truque pela internet que só os especialistas detectariam, etc.). A maioria dos modus operandi antigos são fáceis de serem detectados e evitados.

Violência sexual mediante fraude

Em se tratando do caso, tema desse artigo, a nossa opinião é a seguinte: se os pais dos adolescentes, vítimas do agressor, tinham conhecimento eles serão tão culpados quanto o agressor sexual pois permitiram que seus filhos menores passassem por tal violência. NO ENTANTO, se o Pastor preso e indiciado por tal fato se aproveitou da ausência dos pais para convencer os adolescentes, somente ele será Réu – provando a autoria terá que pagar pelo crime de agressão sexual (estupro de quatro adolescentes; um, inclusive, de apenas 14 anos; 2 meninos e 2 meninas).

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos

  • 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

Um pastor evangélico de 31 anos foi preso e se tornou réu no processo no qual é acusado de estuprar quatro adolescentes que frequentavam a sua igreja na Zona Leste de São Paulo. Segundo a acusação feita pelo Ministério Público (MP), o religioso enganava os fiéis, oferecendo suposta “cura física e espiritual” (art. 171 CP)àqueles que fizessem sexo (artigo 213, parág. 1º do CP) com ele e o “anjo” que dizia incorporar.

Para encerrar: crime sexual, contra qualquer pessoa, em especial criança e adolescente, não há justificativa – não há desculpa que valha ou que se possa distribuir culpa. A culpa é sempre única do agressor, mais ainda, quando esse agressor é pessoa a quem depositamos confiança: pai, mãe, tios, sacerdotes, os atuais apóstolos, cuidadores, médicos, professores, enfermeiros, etc. Quando já não podemos acreditar, sequer, em quem está mais próximo de nossos filhos (cuidando), em quem iremos acreditar? Um Sacerdote, um ‘líder religioso’ deveria ser alguém de nossa total confiança (em todos os sentidos); quando já não é assim, de que vale apostar nossas fichas em uma religião?

Artigo publicado mediante autorização da autora
Elane Ferreira de Souza, Advogada e Articulista do JusBrasil